A história do Estado de Israel está repleta de líderes carismáticos, idealistas apaixonados e figuras militares de destaque. Mas entre esses nomes, destaca-se uma figura de perfil mais reservado, porém altamente eficaz: Itzhak Shamir. Conhecido por sua postura discreta, firmeza ideológica e profunda convicção sionista, Shamir foi um dos pilares políticos de Israel durante os anos mais tensos do século XX.
Ao longo de sua vida, ele transitou entre o mundo da espionagem, da luta clandestina e dos cargos mais altos do governo israelense, sempre mantendo a mesma postura: a de um nacionalista determinado e estrategista incansável.
As origens: da Polônia ao sonho sionista
Itzhak Shamir nasceu em 1915, na cidade de Ruzinoy, na então Polônia (hoje Belarus). Desde jovem, foi influenciado pelas ideias do sionismo revisionista, corrente liderada por Ze’ev Jabotinsky, que pregava a criação de um Estado judeu forte e autossuficiente em toda a Terra de Israel.
Ainda na juventude, Shamir imigrou para a Palestina, então sob domínio britânico, com o objetivo de participar ativamente da construção de um lar nacional judeu. Em Tel Aviv, estudou história e direito, e logo se envolveu com grupos sionistas militantes.
A luta clandestina contra os britânicos
Durante os anos 1930 e 1940, o Mandato Britânico na Palestina era um palco de tensões entre a administração colonial e a população judaica que lutava pela independência. Shamir ingressou no grupo militar Irgun, mas posteriormente migrou para o grupo mais radical Lehi (também conhecido como “Gangue de Stern”).
Como membro do Lehi, Shamir participou da luta armada contra os britânicos, promovendo ataques a alvos militares e políticos em busca da retirada do Império Britânico da região. Ele chegou a ser preso pelas autoridades britânicas, mas conseguiu escapar da prisão no território da Eritreia, fugindo para voltar à Palestina e retomar suas atividades.
Essa fase clandestina moldou profundamente sua visão política: para Shamir, a independência de Israel só seria possível através da resistência firme e da autodeterminação, sem concessões ao que ele via como pressões externas.
Do Mossad à política institucional
Após a fundação do Estado de Israel, em 1948, Shamir entrou para o Mossad, o serviço secreto israelense, onde trabalhou por cerca de uma década. Sua experiência como espião o consolidou como um mestre da paciência, do planejamento silencioso e da disciplina estratégica.
Na década de 1970, já fora do serviço secreto, Itzhak Shamir ingressou na vida política através do partido Likud, tornando-se um dos líderes mais influentes da legenda. Em 1973, foi eleito para o Knesset (parlamento israelense) e, anos depois, serviu como Ministro das Relações Exteriores.
Primeiro-ministro de Israel: uma liderança firme
Shamir assumiu pela primeira vez o cargo de primeiro-ministro em 1983, após a renúncia de Menachem Begin. Ele governou até 1984, quando, por acordo político, alternou o poder com Shimon Peres, e voltou ao cargo de forma integral em 1986, onde permaneceu até 1992.
Durante sua gestão, Itzhak Shamir enfrentou alguns dos desafios mais significativos da história recente de Israel:
A imigração em massa de judeus soviéticos e etíopes
Nos anos 1980 e início dos 1990, Israel testemunhou uma onda sem precedentes de imigração de judeus da União Soviética e da Etiópia. Shamir, embora conservador em muitos aspectos, foi um defensor fervoroso da Lei do Retorno e facilitou a absorção de centenas de milhares de imigrantes, o que transformou profundamente a demografia do país.
A Guerra do Golfo e os mísseis de Saddam Hussein
Durante a Guerra do Golfo (1990-1991), o Iraque lançou mísseis Scud contra Israel. Em um movimento diplomático delicado, Shamir acatou os pedidos dos Estados Unidos para que Israel não retaliasse, a fim de manter a coalizão internacional unida contra Saddam Hussein. Essa decisão, difícil para um líder tão linha-dura, foi vista como uma demonstração de maturidade geopolítica e equilíbrio estratégico.
A Conferência de Paz de Madri
Em 1991, Itzhak Shamir participou da Conferência de Paz de Madri, uma tentativa inédita de iniciar conversas formais entre Israel e países árabes, além dos representantes palestinos. Apesar de sua conhecida resistência a concessões territoriais, ele aceitou participar da conferência, ainda que de forma cautelosa e com muitas ressalvas.
Para muitos, essa atitude simbolizou que até mesmo os mais rígidos nacionalistas estavam dispostos a dialogar sob certas circunstâncias — desde que os interesses israelenses fossem preservados.
Ideologia e visão de mundo
Shamir acreditava profundamente que Israel não deveria ceder território em troca de paz — ideia conhecida como “terra por paz”. Para ele, os direitos históricos do povo judeu à Terra de Israel eram inegociáveis.
Sua firmeza ideológica lhe rendeu muitos admiradores, mas também críticas, especialmente de setores mais moderados que buscavam um acordo com os palestinos. Mesmo assim, Shamir nunca demonstrou arrependimento por suas posições e as defendeu até o fim da vida com convicção inabalável.
Vida após o poder
Após deixar o cargo de primeiro-ministro, em 1992, Shamir se afastou gradualmente da política. Seu legado, no entanto, permaneceu influente. Ele passou seus últimos anos de vida em Jerusalém, falecendo em 2012, aos 96 anos.
Foi enterrado com honras nacionais no Monte Herzl, o cemitério nacional de Israel, ao lado de outras figuras centrais da história do país.
Um estrategista paciente e um homem de princípios
Itzhak Shamir não era um político carismático no sentido tradicional. Seu estilo era austero, com discursos curtos e poucas aparições públicas. No entanto, sua força estava na ação silenciosa, no planejamento minucioso e na firmeza de princípios.
Ele raramente fazia concessões e sempre se guiava por uma visão de Israel como um Estado forte, seguro e firmemente enraizado em sua história milenar. Para muitos, isso fazia dele um líder confiável — para outros, alguém inflexível demais.
O impacto de Shamir no Israel moderno
Ainda hoje, o nome de Itzhak Shamir surge nos debates sobre segurança, soberania e diplomacia. Sua política de absorção de imigrantes mudou o perfil do país para sempre. Seu posicionamento firme serviu de base para líderes posteriores e seu legado é constantemente revisitado, especialmente em momentos de tensão ou dilemas territoriais.
Ele representa uma era de líderes que não buscavam popularidade, mas resultados. Que preferiam a ação à retórica. Que se guiavam por convicções claras, mesmo em tempos de incerteza.